O acesso ao crédito é um dos maiores desafios enfrentados pelos pequenos negócios no Brasil. Segundo dados do Sebrae, a falta de garantias reais supera até mesmo a existência de restritivos (SPC, Serasa) como principal motivo para a negação de crédito a micro e pequenas empresas. Este cenário cria um círculo vicioso: a empresa não consegue crédito para financiar seu crescimento justamente por ser pequena e não possuir bens suficientes para oferecer como garantia.
Felizmente, o sistema financeiro brasileiro tem evoluído com alternativas inovadoras que permitem aos empreendedores superar essa barreira. Neste artigo, exploraremos as principais opções de garantias e colaterais disponíveis para pequenos negócios, desde fundos garantidores até sociedades de garantia de crédito, além das recentes mudanças trazidas pelo Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023).
O que são garantias e colaterais?

Antes de explorarmos as alternativas disponíveis, é importante entender o conceito de garantias e colaterais. No contexto financeiro, garantias são bens ou direitos oferecidos pelo tomador de crédito para assegurar o pagamento de uma dívida. Já colaterais são um tipo específico de garantia, geralmente representados por ativos que podem ser liquidados pelo credor em caso de inadimplência.
As garantias podem ser classificadas em dois grandes grupos:
Garantias Reais
São aquelas vinculadas a bens tangíveis ou direitos do devedor. Entre as principais modalidades estão:
- Hipoteca: vincula um bem imóvel ao pagamento da dívida, sem transferir sua posse ou propriedade.
- Alienação Fiduciária: transfere a propriedade do bem ao credor até a quitação da dívida, sendo muito utilizada em financiamentos de veículos e imóveis.
- Penhor: vincula bens móveis, como máquinas, equipamentos ou estoques.
- Cessão de Recebíveis: utiliza direitos creditórios futuros (como vendas a prazo) como garantia.
Garantias Fidejussórias (Pessoais)
São aquelas baseadas na confiança e no compromisso pessoal. As principais são:
- Aval: garantia pessoal em que o avalista se torna responsável solidário pela dívida.
- Fiança: compromisso de uma pessoa (fiador) em pagar a dívida caso o devedor principal não o faça.
- Garantias institucionais: oferecidas por fundos garantidores ou sociedades de garantia de crédito.
Para pequenos negócios, a dificuldade em oferecer garantias reais tradicionais tem impulsionado o desenvolvimento de alternativas inovadoras, como veremos a seguir.
Fundos Garantidores: soluções complementares para pequenos negócios

Os fundos garantidores são mecanismos que complementam as garantias oferecidas pelos pequenos negócios, reduzindo o risco para as instituições financeiras e facilitando o acesso ao crédito. Vamos conhecer os principais:
FAMPE – Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas
Administrado pelo Sebrae, o FAMPE é um dos principais fundos garantidores para pequenos negócios no Brasil. Ele funciona como um avalista complementar, garantindo até 80% de um financiamento junto a instituições financeiras conveniadas.
O FAMPE pode ser utilizado por microempreendedores individuais (MEI), microempresas e empresas de pequeno porte, desde que estejam em dia com suas obrigações fiscais e não possuam restrições cadastrais. As garantias oferecidas pelo fundo podem ser utilizadas para diferentes finalidades, como capital de giro, investimentos e exportação.
Uma das grandes vantagens do FAMPE é que ele permite o acesso a linhas de crédito com condições mais favoráveis, como taxas de juros menores e prazos mais longos. Além disso, o fundo reduz a necessidade de o empreendedor comprometer seu patrimônio pessoal como garantia.
FGI – Fundo Garantidor para Investimentos
Gerido pelo BNDES, o FGI tem como objetivo complementar as garantias oferecidas por micro, pequenas e médias empresas em operações de crédito contratadas junto a instituições financeiras. O fundo pode garantir até 80% do valor do financiamento, dependendo do porte da empresa e da modalidade de operação.
O FGI atua de forma complementar às garantias oferecidas pelo tomador do crédito, reduzindo o risco para a instituição financeira e facilitando a aprovação do financiamento. Para utilizar o fundo, a empresa precisa pagar uma comissão de concessão de garantia, cujo valor varia conforme o prazo e o valor da operação.
Durante a pandemia de COVID-19, o FGI ganhou uma modalidade emergencial, o FGI PEAC (Programa Emergencial de Acesso a Crédito), que teve papel fundamental na manutenção do fluxo de crédito para pequenas e médias empresas em um momento de crise.
FGO – Fundo Garantidor de Operações
Administrado pelo Banco do Brasil, o FGO complementa as garantias em operações de crédito para micro, pequenas e médias empresas. O fundo ganhou destaque com o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), criado durante a pandemia e posteriormente tornado permanente.
O FGO-Pronampe garante até 85% do valor de cada operação, permitindo que pequenos negócios acessem linhas de crédito com taxas de juros limitadas e prazos mais longos. Para utilizar o fundo, a empresa deve atender aos requisitos do Pronampe e solicitar o financiamento em uma instituição financeira participante do programa.
Sociedades Garantidoras de Crédito (SGCs): uma solução coletiva

As Sociedades Garantidoras de Crédito (SGCs) são organizações de caráter privado formadas essencialmente por empresas, que têm como finalidade complementar as garantias exigidas aos associados nas operações de crédito junto ao sistema financeiro.
As SGCs não realizam empréstimos ou financiamentos diretamente, mas prestam garantias (aval ou fiança) nas operações de crédito de suas associadas com as instituições financeiras. Além disso, podem fornecer aval técnico, comercial e assessoria financeira, ajudando os pequenos negócios a melhorar sua gestão e aumentar suas chances de aprovação de crédito.
O modelo das SGCs é inspirado em experiências internacionais bem-sucedidas, como os sistemas de garantia da Itália e da Espanha. No Brasil, as primeiras SGCs surgiram no início dos anos 2000, com apoio do Sebrae e de entidades empresariais.
Para participar de uma SGC, a empresa precisa se associar e, geralmente, adquirir cotas de participação. Os associados também contribuem com um percentual sobre o valor das garantias concedidas, formando um fundo de risco que dá sustentação às operações da sociedade.
As SGCs representam uma solução coletiva para o problema das garantias, permitindo que pequenos negócios unam forças para superar barreiras individuais de acesso ao crédito.
Marco Legal das Garantias: novas possibilidades para pequenos negócios

Sancionado em outubro de 2023, o Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023) trouxe importantes mudanças para o sistema de garantias no Brasil, com impactos significativos para os pequenos negócios.
Uma das principais inovações da lei é a possibilidade de utilizar um mesmo bem imóvel como garantia para múltiplas operações de crédito, desde que não se trate do imóvel residencial único do devedor. Antes da reforma, um imóvel avaliado em R$ 200.000, por exemplo, só poderia ser usado como garantia para um empréstimo de R$ 50.000, deixando R$ 150.000 “ociosos”. Agora, a diferença de valor pode ser aproveitada em outras transações dentro da mesma instituição financeira.
Para uma pequena empresa, isso significa poder usar parte do valor de um imóvel já hipotecado para obter capital de giro sem precisar vender ativos estratégicos. Essa flexibilização amplia significativamente a capacidade de alavancagem dos pequenos negócios.
Outra mudança importante é a agilização dos procedimentos de execução de garantias, com a possibilidade de busca e apreensão extrajudicial de veículos financiados após 90 dias de inadimplência. A lei também fortaleceu o papel dos cartórios na mediação de conflitos creditícios, permitindo que devedores recebam propostas de reescalonamento de dívidas com descontos.
O Marco Legal das Garantias também criou o REGAR (Registro Eletrônico de Garantias), um sistema centralizado gerido pelo Banco Central para registro e consulta de garantias. Essa centralização visa aumentar a transparência e reduzir custos, facilitando a comprovação da disponibilidade de ativos como garantia.
Embora a lei traga benefícios importantes, é preciso atenção para evitar o superendividamento. A facilidade de acesso a crédito pode levar pequenos negócios a assumirem compromissos além de sua capacidade de pagamento, especialmente se não houver um planejamento financeiro adequado.
Estratégias para escolher a melhor alternativa de garantia

A escolha da melhor alternativa de garantia depende de diversos fatores, como o porte da empresa, a finalidade do crédito, os ativos disponíveis e as condições oferecidas pelas instituições financeiras. Aqui estão algumas estratégias para ajudar na decisão:
Avalie o custo-benefício
Cada tipo de garantia tem custos associados, como taxas, comissões ou encargos. Compare esses custos com os benefícios oferecidos, como redução de taxas de juros ou aumento do prazo de pagamento. Em alguns casos, pode valer a pena pagar uma comissão para utilizar um fundo garantidor se isso resultar em uma redução significativa da taxa de juros.
Considere o impacto no fluxo de caixa
Algumas garantias, como a alienação fiduciária, podem restringir o uso de ativos importantes para a operação da empresa. Avalie se a imobilização desses recursos não comprometerá o fluxo de caixa do negócio.
Diversifique as garantias
Utilizar diferentes tipos de garantias pode ser uma estratégia eficiente para maximizar o acesso ao crédito. Por exemplo, uma empresa pode usar o FAMPE para uma linha de capital de giro, enquanto utiliza a alienação fiduciária de um veículo para financiar a compra de equipamentos.
Busque orientação especializada
Antes de decidir qual garantia utilizar, busque orientação de especialistas, como consultores do Sebrae ou assessores financeiros. Eles podem ajudar a identificar a alternativa mais adequada para o seu negócio e orientar sobre os procedimentos necessários.
Mantenha a documentação em ordem
Independentemente da garantia escolhida, é fundamental manter a documentação da empresa em ordem, incluindo certidões negativas, demonstrativos financeiros e comprovantes de regularidade fiscal. Isso facilita o processo de análise de crédito e aumenta as chances de aprovação.
Desafios e perspectivas futuras

Apesar dos avanços recentes, o sistema de garantias para pequenos negócios no Brasil ainda enfrenta desafios importantes. A assimetria de informações entre empresas e instituições financeiras continua sendo um obstáculo, especialmente para negócios em estágio inicial ou com pouco histórico de crédito.
A digitalização dos processos de avaliação e registro de garantias é uma tendência que deve se intensificar nos próximos anos, facilitando o acesso ao crédito e reduzindo custos. Tecnologias como blockchain e inteligência artificial podem revolucionar o sistema, permitindo avaliações mais precisas e seguras.
A educação financeira dos empreendedores também é um fator crucial. Muitos pequenos empresários desconhecem as alternativas de garantias disponíveis ou não sabem como utilizá-las de forma estratégica. Programas de capacitação e orientação, como os oferecidos pelo Sebrae, são fundamentais para mudar essa realidade.
Por fim, a integração entre diferentes mecanismos de garantia e a criação de novos instrumentos adaptados às necessidades específicas dos pequenos negócios são caminhos promissores para ampliar o acesso ao crédito e impulsionar o desenvolvimento econômico.
Conclusão
As garantias e colaterais representam um desafio histórico para os pequenos negócios no Brasil, mas o cenário tem evoluído positivamente com o surgimento de alternativas inovadoras. Fundos garantidores como o FAMPE, FGI e FGO, sociedades garantidoras de crédito e as mudanças trazidas pelo Marco Legal das Garantias abrem novas possibilidades para empreendedores que buscam financiamento.
A escolha da melhor alternativa depende das características específicas de cada negócio e da finalidade do crédito. O importante é conhecer as opções disponíveis e buscar orientação especializada para tomar decisões informadas.
Com planejamento adequado e uso estratégico das garantias, os pequenos negócios podem superar barreiras de acesso ao crédito e encontrar os recursos necessários para crescer e se desenvolver em um mercado cada vez mais competitivo.
Sobre o Autor
William Galeskas é especialista em contabilidade e consultoria tributária com formação pela Universidade Nove de Julho. Com mais de 18 anos de experiência em planejamento fiscal, atua como Diretor na MG Consultoria Empresarial e da Hector Contador Digital desde 2018, onde lidera projetos de consultoria fiscal e minimização de carga tributária para empresas de diversos portes. É especialista na implementação de SPED Fiscal e EFD (Contribuições), recuperação de créditos tributários e planejamento estratégico empresarial. Sua expertise inclui sistemas SAP, conformidade com IFRS e US GAAP, além de domínio das normas Sarbanes-Oxley. Sua abordagem combina análise financeira detalhada com estratégias práticas para otimização tributária, auxiliando empresas a maximizarem resultados dentro do contexto regulatório brasileiro. William é Editor-Chefe do Blog da Renda Maior.
FAQ Expandido
1. Quais são as principais diferenças entre garantias reais e fidejussórias?
As garantias reais estão vinculadas a bens tangíveis ou direitos do devedor, como imóveis (hipoteca), veículos (alienação fiduciária) ou equipamentos (penhor). Já as garantias fidejussórias são baseadas no compromisso pessoal, como o aval e a fiança, onde uma pessoa ou instituição se compromete a pagar a dívida caso o devedor principal não o faça. Enquanto as garantias reais geralmente resultam em condições de crédito mais favoráveis, as fidejussórias são mais acessíveis para quem não possui patrimônio suficiente.
2. Como funciona o FAMPE na prática?
O FAMPE funciona como um avalista complementar para pequenos negócios. Quando uma empresa solicita um financiamento em uma instituição financeira conveniada com o Sebrae, pode utilizar o FAMPE como garantia complementar. Se aprovado, o crédito é concedido com a garantia do fundo, que pode cobrir até 80% do valor da operação. Em caso de inadimplência, o FAMPE honra o pagamento junto à instituição financeira, dentro do percentual garantido. Para utilizar o fundo, a empresa deve atender aos requisitos estabelecidos pelo Sebrae e pela instituição financeira.
3. O Marco Legal das Garantias permite usar qualquer imóvel como garantia múltipla?
Não. O Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023) estabelece que o imóvel residencial único do devedor não pode ser utilizado como garantia múltipla. Essa restrição visa proteger as famílias de perderem sua moradia em caso de inadimplência. Para os demais imóveis, é possível utilizá-los como garantia para múltiplas operações de crédito, desde que dentro da mesma instituição financeira e respeitando o valor de avaliação do bem.
4. Quais são os custos associados aos fundos garantidores?
Os fundos garantidores geralmente cobram uma Comissão de Concessão de Garantia (CCG), cujo valor varia conforme o prazo e o valor da operação. No caso do FGI, por exemplo, a comissão pode variar de 0,5% a 5% do valor garantido. Já o FAMPE cobra uma taxa que varia de 0,1% a 3% ao ano sobre o valor garantido, dependendo do prazo da operação. É importante comparar esses custos com os benefícios oferecidos, como redução de taxas de juros ou aumento do prazo de pagamento.
5. Como participar de uma Sociedade Garantidora de Crédito?
Para participar de uma SGC, a empresa precisa se associar, o que geralmente envolve a aquisição de cotas de participação. O valor das cotas varia conforme a SGC e pode ser proporcional ao porte da empresa. Além disso, os associados contribuem com um percentual sobre o valor das garantias concedidas, formando um fundo de risco. Para encontrar uma SGC na sua região, é possível consultar o Sebrae ou associações empresariais locais.
Bibliografia
- Banco Central do Brasil. (2023). Relatório de Economia Bancária. Brasília: BCB.
- BNDES. (2024). Fundos Garantidores – BNDES FGI. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/instituicoes-financeiras-credenciadas/fundos-garantidores
- Brasil. (2023). Lei nº 14.711, de 31 de outubro de 2023. Marco Legal das Garantias. Brasília: Presidência da República.
- Febraban. (2024). Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária. São Paulo: Federação Brasileira de Bancos.
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- Zica, R. M. F., & Martins, H. C. (2008). Sistema de garantia de crédito para micro e pequenas empresas no Brasil: proposta de um modelo. Revista de Administração Pública, 42(1), 181-204.